10 agosto 2012

44 - Batom Vermelho


Depois que terminou o curso adorando tudo e todos, Carolina foi correndo mostrar o seu diploma para Dona Berenice, adentrando em sua sala com algumas ideias na cabeça. Dona Berenice com toda aquela calma que lhe é peculiar, pediu a Carolina que se acalmasse um pouco, que tudo seria aproveitado da melhor forma em outra ocasião e que Carolina tinha potencial para realizar as mudanças necessárias na Biblioteca. Isso, Dona Berenice nunca duvidara. 
Enquanto isso, Sara estava agitada, pois tinha recebido uma ligação de Otto para saírem hoje à noite e pelo tom da voz de Otto parecia algo urgente. Sara pensou mil coisas, todas negativas, pois em se tratando de Otto, tudo podia acontecer. Quando Celso perguntou o que tinha acontecido a Sara, ela respondeu:
- Otto me ligou agora a pouco, querendo jantar comigo. Perguntei em tom de brincadeira se era algum motivo especial e ele disse que sim, mas um sim tão seco, que gelei.
- Você gosta mesmo desse cara, né, carinho? - perguntou Celso sério.
- Sim, desde a primeira vez que o vi, aqui na Biblioteca.
- Não há de ser nada, carinho. Ele só quer jantar contigo.
- Mas em um dia de semana? Não temos esse hábito, só nos encontramos nos fins de semana, raros são os dias que nos vemos durante a semana, pois estamos sempre ocupados.
- E daí? Hoje ele quis ser diferente.
- Tô achando estranho... - falou Sara pensativa.
- Para de neura, carinho! Você já foi conversar com a Santa? Vai lá, conversa com ela, dê um chamego...
- A santa é sua, ela não vai ouvir meus pedidos.
- Ora, quanta bobagem! - falou Celso ofendido.
- Ahhh - Sara esboçou um gemido.
- Olha, carinho, qualquer coisa me liga, estarei em casa a noite toda, ok? - desconversou Celso.
- Posso mesmo ligar se ele der um pé na minha bunda? - perguntou Sara desanimada.
- Claro que pode! E deixa de bobagem, ele não vai fazer isso! E se fizer, vai levar um murro meu, você sabe que estou fazendo Muay Thai*. Estou ficando forte, carinho. - falou Celso mostrando um muque murcho e que precisa de muitas aulas para ficar forte.
- Ótimo consolo, obrigada, Celso! - falou Sara voltando ao seu trabalho.
Quando já estava na hora de fechar a Biblioteca, Sara correu para sua casa, mas antes ouviu todos os conselhos de Carolina e Celso.
Assim que chegou em casa, foi direto para o banho e quando saiu, foi em busca de uma roupa. Sara estava tão desanimada que pegou a primeira roupa que vira no armário. Já pensava no pior e nada que fizesse iria mudar isso. Colocou uma blusa preta e uma saia de couro também preta. Puxou uma parte do cabelo para trás e os prendeu com grampos. Parecia que estava de luto e achou que deveria complementar o visual com um cardigan verde musgo e um brinco grande e dourado. O batom vermelho não ficou de fora, mesmo estando triste, ela não se esquecia do batom.
Fez biquinho na frente do espelho e passou com esmero em seus pequenos lábios para não borrar. Borrifou seu perfume e ficou sentadinha à espera de Otto, enquanto assistia a uma novela mexicana com a protagonista chorando um rio de lágrimas pela perda do grande amor. Desligou a televisão. Pegou o jornal e leu seu horóscopo: 
Dia excelente para abrir sua alma com alguém em quem confie, a conversa vai render entendimento e mudança verdadeira, que virá aos poucos. Uma atividade extra será um caminho...”.
Sara jogou o jornal longe, sem terminar de ler. Olhou para o relógio e já era hora de Otto chegar. Resolveu descer e esperá-lo na portaria do prédio. Pegou sua bolsa e foi apagando as luzes do apartamento e como não tinha ninguém em casa, verificou a água do gato e o seu alimento e saiu porta afora.
Quando chegou à portaria, foi surpreendida por um Otto andando de um lado para o outro na calçada, tragando sem parar seu cigarro. Sara não entendeu nada. “Ele não podia esperar para fumar outra hora?”, pensou Sara.
Ele sabia que ela detestava cigarro. Foi a deixa para deixá-la ainda mais ressabiada. Ergueu os ombros, esticou a coluna e foi em direção a Otto.
- Oi, amor! - falou Sara parada que nem uma estátua de cera, sorrindo para Otto.
- Caramba! Você já está aí? - perguntou Otto nervoso.
- Sim e você aí... Por que não interfonou?
- Resolvi parar para fumar um pouco, você não está chateada, está? - perguntou Otto pego no flagra.
- Bobagem, vamos andando.
Otto ia dar um beijo em Sara, mas ela virou o rosto bruscamente, fazendo Otto beijar sua testa e quase caindo com isso. Otto pensou que Sara tinha se chateado por causa do cigarro e tentou colocar uma bala rapidamente em sua boca para tirar o hálito ruim.
Entraram no carro e zarparam para um lugar bem distante dali. Falaram pouco, achando que um estava chateado com o outro. Resolveram se calar até a viagem terminar, mas parecia não ter fim.
- Para onde você está me levando, Otto? - perguntou Sara preocupada.
- Calma, já está chegando. Tá parecendo criança, quer fazer xixi? Esticar as pernas? - brincou Otto.
- Ai, eu aguento vai... - falou Sara revirando os olhos.
Enfim, chegaram. O restaurante ficava próximo a uma lagoa, no final da Barra da Tijuca. O lugar era lindo, iluminado com lâmpadas halógenas e a lagoa, iluminada com tiras de leds para dar um efeito romântico.
Um deck reservava algumas mesas à espera de seus clientes. Uma pequena cerca de ferro branca desenhada dividia os dois espaço do deck. Otto encaminhou Sara para a mesa reservada, próxima a lagoa. Sentaram-se um de frente para o outro e a mesa estava decorada com pratos coloridos e guardanapos que guardavam os talheres, de forma charmosa. As mesas eram de azulejo com desenho dos principais lugares do Rio de Janeiro.
Otto chamou o garçom para pedir o prato principal. Estava nitidamente nervoso.
- Boa noite, um medalhão de peixe com molho de limão, arroz colorido e legumes, por favor. - pediu Otto ao garçom.
- Para a senhora também? - perguntou o garçom.
- Sim, para a senhora também. - falou Otto sem deixar Sara falar.
- E a bebida, senhor?
- A sua melhor safra de vinho tinto.
- Mas não dizem que se come peixe com vinho branco? - perguntou Sara.
- Mas eu quero beber vinho tinto e sei que você prefere o tinto também. Essa babaquice de combinar bebida com comida... Eu quero tinto, por favor! - falou Otto alterando a voz.
- Ok, desculpe, esqueça o que eu disse... - falou Sara envergonhada, dando ao garçom a deixa para ser dispensado e pedindo a outro garçom que trouxesse o vinho.
- Me desculpe, Sara, mil desculpas. - falou Otto ligeiramente constrangido.
- É, realmente não se pode acreditar nos signos de jornais. "Dia excelente"? - Sara pensou alto.
- O quê? 
- Nada não...
- Bem, acho que posso começar... - falou Otto pigarreando.
- Começar o quê? 
- Sabe aquele apartamento em que Phillip morava com a Luciana?
- Sei...
- Pois então, ele está vendendo e estou interessado em comprar, o que você acha?
- Hmmm, acho legal, vai deixar de pagar aluguel...
- Mas com uma condição...
Otto cortou a frase de Sara, que levantou as sobrancelhas na espera da tal condição dele.
- Gostaria que você fosse morar lá comigo. Gostaria que você fosse minha esposa. - falou Otto sorrindo e totalmente inseguro.
- Morar lá? Na casa onde a Luciana viveu? - Sara parecia confusa.
- Sim, Sarinha. Lá onde Luciana viveu...
Sara começou a rir sem parar, não conseguia segurar a gargalhada. Tentou beber o vinho, mas não resolveu, Otto ficou sem entender nada, mas Sara fez questão de explicar.
- Você me trouxe neste fim de mundo para me pedir em casamento, Otto?
- É... De certa forma sim, você estava esperando um anel ou qualquer coisa parecida, não é? Mas a minha intenção é boa. - falou Otto.
- Meu amor! Não esperava nada disso, esperava coisa pior! É claro que aceito! - falou Sara sorrindo. - Eu passei o dia todo achando que você fosse me dar um pé na bunda e que tinha me trazido neste lugar lindo como um consolo para não ficar com raiva de você ou talvez, me matar e me jogar na lagoa.
- Não achei que você pensasse assim de mim. Não vou te dar um pé na bunda! - falou Otto fazendo cara de ofendido. - E nem te matar!
- Às vezes você tende a ser bem estranho, meu amor. Você precisa admitir. Mas, estou adorando tudo isso, minha neurose terminou.
- Então você aceita? - perguntou Otto segurando as mãos de Sara carinhosamente.
- Claro que sim! Mas com uma condição, não quero morar onde aquela sociopata morou, isso pode envenenar a nossa relação, não quero!
- Ai, santo Deus! A gente dedetiza, pinta todas as paredes novamente, coloca novos pisos, manda chamar o padre para benzer a casa, e aí?
- Não sei... O mau-caratismo ficou encruado naquela casa. - falou Sara provocando.
- Mas eles ficaram pouco tempo lá. Não teve tempo de assentar a poeira.
- E o que sua mãe acha disso tudo?
- Ela me deu total apoio!
- E seu irmão?
- Ele ainda não sabe.
- Hmmm, está bom, mas eu escolho a decoração da casa!
- Mas, por favor, não decore a casa toda colorida, eu lhe peço!
E os dois riram. Já com as expressões despreocupadas, serviram-se da refeição e saborearam o vinho doce, escolhido especialmente para a ocasião e fizeram o famoso brinde e dessa vez, brindaram à mudança, a mudança verdadeira.


*arte marcial caracterizada pelo uso combinado de punhos, cotovelos, joelhos, canelas e pés.

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