20 agosto 2012

36 - Melancolia


Depois que deixou o asilo com Bento e o embrulho com o xale de Carolina, Phillip ficou sem rumo. Não sabia se ia para casa ou até a casa de Carolina, mas pensou na segunda hipótese. Ia de vez com Bento para ter uma conversa sozinho com Carolina e deixar Miguel brincando com o cachorro.
Já era hora de Carolina estar em casa e mesmo assim, ligou para avisá-la de que estaria lá em poucos minutos.
Olhou para o banco de trás e avistou Bento com a cabeça baixa, apoiada em uma das patas. Estava cansado. Ele sempre ficava assim depois de uma visita ao asilo. Talvez tenha sentido falta de Heidi.
Assim que Carolina abriu a porta, levou um susto. Phillip estava abatido, parecia que tinha corrido em uma maratona. Estava um pouco pálido e curvado.
- Oi, meu amor, o que houve, está tudo bem? - perguntou Carolina dando um abraço e um beijo em Phillip. - Olá, garotão! - continuou Carolina passando a mão no pêlo de Bento, que também estava sem energia.
- Ah, não muito bem, estou cansado, vim do asilo e preciso de um copo d'água. - falou Phillip deprimido.
- Oi, capitão américa! - gritou Miguel indo em direção a Phillip.
- Oi, rapaz, tudo bem? Posso pedir um favor a você?
- Pode! - Miguel abriu os olhos curioso.
- Cuida do Bento para mim? Preciso conversar com sua irmã. 
- Tudo bem, cuido sim! - falou Miguel, pegando a coleira de Bento e o levando para o cantinho onde ficava a rede, brincaria com Bento ali.
- Nossa, você está tão estranho! - preocupou-se Carolina.
- Onde está seu pai? - perguntou Phillip pegando o copo e bebendo em um só gole.
- Foi comprar um lanche para nós, daqui a pouco está de volta.
- Ótimo, vamos para o seu quarto, preciso falar com você.
- Ok, vamos!
Encaminharam-se para o quarto. Phillip se sentou na beirada da cama e Carolina ficou em pé, observando-o segurar um embrulho. Pela cara que Phillip fazia, não era uma boa coisa, mas esperou ele começar a conversa.
- Bem, Carol, o que eu tenho para dizer não é legal.
- O que é? Fala logo! - exasperou-se Carolina, sentando-se no pufe em frente à cama.
- Fui ao asilo hoje, precisava dar um pulo lá, estava sentindo falta do povo e quando cheguei lá o lugar estava quieto demais e achei estranho. Castiel apareceu e me contou o que acontecera.
- E...? - Carolina estava olhando para os lábios de Phillip que se mexiam sem parar, umedecendo-os.
- Cheguei no dia do enterro da Heidi. - falou Phillip por fim.
- Ai, meu Deus! A Heidi! O que houve com ela? - Carolina arregalou os olhos.
- Ela estava muito doente, não foi nada de repente, ela tinha problema nos ossos e ultimamente não estava mais aguentando nem segurar uma xícara ou escovar os dentes, tudo doía. Ela começou a não querer comer, fazia suas necessidades na cama. Tudo muito triste, Carol.
- Ai, e eu não pude encontrá-la novamente, dar um abraço e um beijo nela. Era tão querida e doce. - Carolina segurou sua cabeça num gesto de pesar.
- Mas ela quis terminar isso até o fim, mesmo sentindo dor, era como se fosse uma promessa que tinha feito... - e Phillip entregou o embrulho negro para Carolina.
Carolina olhou para o encanto do embrulho e cuidadosamente o abriu sem rasgá-lo. Viu que era o xale que Heidi prometera a ela na primeira vez que se conheceram. O xale era lindo, rosa, grande e bem feito, com franjas grossas. Carolina não resistiu e começou a chorar, chorou como uma criancinha. Como se estivesse sozinha no mundo e tivesse perdido mais uma vez sua mãe. Depois que sua mãe falecera, ela inevitavelmente encontrava conforto nas mulheres mais velhas, sentia falta de uma pessoa como sua mãe, apesar de ter morrido jovem, mas queria a experiência dessas mulheres, queria alguém para lhe dar conselhos, ouvir sobre o seu dia e contar as novidades. Estava querendo voltar ao asilo para conhecer mais profundamente as pessoas que lá viviam. Lá no asilo tinham idosos de todas as idades e acreditava que Heidi era a mais velha dali, com seus 80 e poucos anos.
Phillip olhou a tristeza estampada nos olhos de Carolina, que ostentava uma trança comprida e grossa. Carolina chorava e mexia compulsivamente em sua trança que estava displicentemente jogada para frente. Com isso, Phillip percebeu o quanto Carolina era vulnerável em relação à morte e tentou confortá-la com um abraço protetor. Carolina o abraçou forte e ficaram por um bom tempo calados, ouvindo apenas suas respirações.


"O presente é a sombra que se move separando o ontem do amanhã.
Nela repousa a esperança."
Frank Lloyd Wright

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