08 agosto 2012

49 - Verão

O verão se aproximava. 
O dia estava quente como deve ser um sábado de dezembro.
Uma menina com cabelos ruivos alaranjados brinca com um cachorro, jogando água da mangueira para se refrescar por conta do calor. Pareciam se divertir muito. O cachorro saboreava a água da mangueira e corria pelo campo bem verde e podado, atrás da menina que dava gritinhos de felicidade. O sítio era rodeado de verde e mata fechada. Havia plantações de tomate, pimentão, alface e outras hortaliças. Uma cachoeira de água natural ficava ao fundo da casa, formando um córrego entre a área da churrasqueira e a da estufa de flores, onde tinha uma pequena e larga ponte entre elas. A casa de dois andares ficava no topo de uma montanha e era toda branca, em estilo colonial americano com varandas ao redor da casa, de chão de tábuas de madeira branca e uma grande escadaria na entrada. O sol, que estava a pino, batia em uma parte da varanda, enquanto a outra ficava na sombra, onde uma senhora, segurando uma caneca com bebida gelada, observava a menina brincar com o cão, sem se importar com o calor. A senhora estava sentada em uma cadeira de palha azul confortável, quando gritou:
- Venha querida, já está quase na hora do almoço. Sua mãe logo logo chamará você, venha conversar com essa velha senhora cansada!
- Já estou indo! - gritou a menina, ajeitado os longos cabelos vermelhos que grudavam em sua testa suada.
- E traga o cachorro, ele já está cansado! 
Ellus era um labrador branco como a neve; forte e grande e Cecília; uma sapeca garotinha de pele sardenta de sete anos. Eles estavam se esbaldando com as brincadeiras. 
Assim que Cecília subiu as escadas junto de Ellus, foi direto dar um beijo em sua avó e sentou-se em seu colo. Ellus foi junto e acomodou-se diante das duas, encostado no pé da cadeira azul.
- Vovó? Eu adoro este lugar! Já tem muito tempo que venho aqui? 
- Desde que você era um cotoquinho de gente! - falou a avó mostrando com as mãos o tamanho.
- E o Ellus?
- O Ellus mora aqui, não temos como viajar com ele toda vez que vimos para cá. E ele prefere esse espaço, pode brincar à vontade, como você estava fazendo com ele.
- Mas ele fica sozinho aqui, vó? - falou a menina tristonha.
- Não, ele fica com a Greta e o Seu Dodô, que cuidam do sítio para nós. Eles tem muito cuidado com ele e com a casa. Você já os conhece, não?
- Já sim. Dei um beijo na Greta quando cheguei e o Seu Dodô apertou minha mão e mexeu em minha cabeça. - falou séria.
- Já está na hora de sua mãe dar a você um irmãozinho para fazer companhia.
- Não sei se quero, vovó. Tenho meus amigos. Estou bem assim. - falou a menina convicta.
- Quando não está com seus amigos, o que gosta de fazer?
- Gosto de desenhar, de jogo da memória e brincar com minhas bonecas dando chá para elas. Tenho um conjunto de chá lindo que papai me deu! 
- Eu também gosto de desenhar! - falou a avó, acariciando os cachos de Cecília.
- Vovó, como foi que você conheceu o vovô?
Foi nessa hora que Carolina deu um sorriso nostálgico, fazendo surgir suas covinhas. Olhou para a neta, que retribuía o olhar. Carolina ainda tinha o mesmo espírito encantador e meigo, mas seu corpo físico mudara, era uma jovem senhora em uma face ainda jovial. Os longos cabelos ondulados deu lugar a um corte curto, um pouco acima dos ombros, ainda castanhos e ligeiramente ondulados. Gostava do corte, era fresco e prático para pentear. 
Carolina usava um vestido longo de estampa floral e abraçou Cecília em seu colo e falou:
- Ahh, isso tem tanto tempo... Nos conhecemos em uma praça pertinho do meu trabalho. Phillip apareceu para mim, como um anjo. 
- Vovô era um anjo? - perguntou Cecília surpresa.
- Para mim ele era sim, meu bem. Seu avô era um homem muito bonito. Eu estava sentada observando as pessoas na rua e vi seu avô olhando para mim e foi a partir daí que tudo começou.
- Quantos anos você tinha quando conheceu o vovô?
- Uns 25 anos. E seu avô, quase 30.
- E agora, vovó?
- Agora eu estou com 60 anos e seu avô completará 65 em alguns dias.
- Você se apaixonou, vovó? Como nos filmes? - perguntou Cecília encantada.
- Sim, me apaixonei, antes mesmo de ele falar alguma coisa.
Sentada em seu colo, Cecília escutava atentamente tudo o que sua avó lhe contava com detalhes. Algumas coisas ela contava avidamente e outras ela apenas recordava em sua memória, como a primeira noite de amor e as outras que vieram.
Cecília perguntou se a avó teve outro namorado antes do avô, que confirmou, contando sobre Roberto. Carolina fez as contas e deduziu que ele teria agora 62 anos. A última vez que vira Roberto, ele estava fazendo uma visita à família e já tinha dois filhos, depois disso perderam o contato. 
- Você se casou, vovó, como a mamãe?
- Nos casamos sim, mas não na Igreja. Celebramos a data na primeira pousada onde seu avô me levou para passarmos um final de semana. Achei aquele lugar tão lindo que Phillip teve a ideia de nos casarmos ali.
- Pousada? Como aqui? - perguntou Cecília apontando para o grande campo verde à frente.
- Bem maior, meu bem. A pousada era linda, espaçosa, tomada de verde, pássaros e belos chalés. Convidamos poucas pessoas, Phillip contratou um juiz de paz e nos casamos lá. Foi um sonho!
- E o seu vestido, como era?
- Usei um vestido para o campo, simples e muito bonito. Era um tomara que caia com algumas aplicações em renda, com um laço de fita marcando minha cintura e saia rodada. Ele era de um lilás bem clarinho. Segurei um pequeno buquê de lavanda. Eu estava tão feliz! Nos casamos um ano depois que nos conhecemos, na mesma data. Sorte a nossa de ter sido em um sábado.
- Queria ter estado lá, vó! 
- Em algum canto você estava, meu bem. Sua mãe deve ter lhe mostrado as fotos. - sorriu Carolina.
- Mostrou sim, vovô também estava muito bonito!
- Sim, seu avô estava todo de branco, em uma bata comprida e calças brancas. Só mesmo Phillip para ter essas ideias. Sua bisavó quem decorou tudo. Ficou muito bonito. Aliás, você já falou com sua bisavó?
- Já sim, um pouquinho, não dá para entender muito o que ela fala, além do mais, ela não entende muito o que eu digo...
Elena estava com 88 anos e ainda era muito vaidosa, mas se cansava facilmente quando fazia alguma viagem, mas neste fim de semana ela quis ir para o sítio, queria estar com a família. Ela ficava a maior parte do tempo sentada, assistindo televisão ou chamando Phillip a todo instante. Morava com Phillip e Carolina e uma enfermeira cuidava dela a maior parte do tempo.
Constantin viveu por alguns anos depois do enlace do casal. Sofreu novamente uma pneumonia que se agravou até não resistir. Foi duro vê-lo partir. 
Phillip resolveu administrar a empresa Girasole, que era sonho de seu pai, tendo a ajuda de Júlio, que começara a trabalhar na empresa depois daquele convite para pescar. Constantin e Júlio formaram um grande laço de amizade e Júlio ficou feliz em trabalhar como diretor de marketing, no qual tinha experiência e por retomar suas atividades. Júlio aceitou de imediato, agradecendo-o com um forte abraço e oferecendo um jantar em sua casa. Júlio também não estava mais neste mundo, mas sua passagem foi nobre. Aquela pescaria foi muito especial para o dois.
Quando estava conversando com Cecília, Carolina notou uma sombra próxima a porta principal da casa. Era Phillip encostado na porta com os braços cruzados e sorrindo com as perguntas da neta. Assim que Carolina o viu, ele piscou para ela e percebeu que todo aquele charme que a fez se apaixonar por ele, ainda estava ali. Phillip ostentava uma cabeleira loira e grisalha em um topete jogado para trás, uma barba emoldurava seu belo rosto com delicadas rugas e os olhos azuis continuavam irrequietos, apesar de sua aparência serena. Phillip ainda era irresistível em seus quase 65 anos.
- Vovó, e o tio Miguel? - perguntou Cecília curiosa.
- Seu tio avô Miguel? Bem, ele era um garoto parecido com você, bem curioso e falante. Quando ele nasceu, foi tão divertido para mim. Adorava cuidar dele e agora ele é quem cuida das crianças. Tornou-se um grande e respeitável pediatra.
- Ele é meu médico! - falou Cecília levantando os braços alegremente.
- Sim, exatamente, meu bem. E também, padrinho de sua mãe. Tem uma família linda, a esposa é uma mulher bela e delicada. Tem um casal de gêmeos em sua plena fase de adolescência.
- Quantos anos o tio Miguel tem?
- Está com 46 anos e seus filhos, os gêmeos Cláudio e Benjamin têm 15 anos. Lembro como se fosse hoje, o aniversário de 11 anos de Miguel, quando fomos todos ao Paintball. Foi uma surpresa e tanto para ele.
Já havia se passado anos que tudo acontecera e mesmo assim os fatos ainda estavam muito vivos em sua memória. Cecília era encantadora, o olhar curioso e o sorriso doce daquela ruivinha fazia Carolina contar mais e mais. 
- E vocês moram aqui, vovó?
- Não, meu bem, compramos essa casa logo após Olívia nascer. Queríamos um cantinho com muito verde para deixar nossa filha correndo, brincando e dando valor à natureza. Achamos que o ar da montanha faria bem a ela e a nós. Ficamos um bom tempo morando no nosso refúgio. 
- O que é refúgio?
- Era um pequeno apartamento que seu avô tinha antes de nos casarmos e depois que nos casamos, moramos por um tempo lá, até ele comprar a casa dos meus sonhos.
- Ai, que lindo, vovó!
- Sim. Sempre tive vontade de morar numa casa aconchegante e Phillip realizou para mim. Ainda moramos nesta casa, aliás, vamos morar eternamente, mais cem anos! - bradou Carolina apertando de leve o pequeno nariz de Cecília. - Você já foi lá! - emendou.
- Já sim, mas é que toda vez que venho para cá, vocês estão aqui também!
Carolina e Phillip, que já estava mais próximo, começaram a rir, fazendo Cecília rir junto. E os dois lembraram-se de quando Olívia tinha a idade de Cecília e o quanto era uma garota séria e invocadinha, tão diferente da neta, que estava sempre sorrindo e disposta a conversar com qualquer que seja.
Olívia desde pequena sempre fora fã da avó Elena, que a ensinou sobre as técnicas de pintura. Era admiradora dos quadros que a avó pintava e isso se estendeu para a sua vida adulta, iniciando-se em alguns cursos e depois graduando-se na Escola de Belas Artes, adquirindo logo em seguida licenciatura em Artes. Olívia começou a organizar um material para montar um ateliê com as obras da avó, a fim de homenageá-la e que já estava quase sendo finalizado. Era o sonho de sua avó e também o dela. Olívia estava empenhada.
Olívia conheceu seu atual marido, Pedro, visitando seu pai na Girasole. Ele era um funcionário, um novato que cresceu na empesa, tendo um cargo de grande destaque. Pedro sempre fora competente e tinha medo que seu namoro com a filha do dono atrapalhasse o seu crescimento, mas ele mostrou a si e aos outros que era capaz e conquistou a confiança e a empatia de Phillip. Estavam casados há 10 anos. Olívia, agora aos 33 anos, estava em sua melhor fase, juntamente com seu marido.
Quando Cecília estava prestes a fazer outra pergunta, Olívia colocou a cabeça, de longas madeixas avermelhadas puxadas para o castanho, em uma das janelas da sala para avisá-los que o almoço já estava na mesa. Olívia e Pedro se ofereceram para fazer o almoço, pois gostavam de cozinhar e era uma ótima terapia. Pedro era o mais empolgado, enquanto Olívia era a mais prática.
- Vamos, pessoal, o almoço já está a postos, vovó Elena já está esperando por vocês. Venham logo antes que esfrie! 
- Com esse tempo? Você esqueceu-se de desligar o forno aqui fora, filha. - falou Phillip.
- Deixa de graça, pai. Vem, Cissa, comidinha que você adora!
- Ebaaa! - respondeu Cecília correndo para dentro de casa, fazendo Ellus se animar e correr atrás.
- E você, Ellus, trate de comer a sua comidinha que está a sua espera na cozinha. - falou Pedro, fazendo o animal acatar sua ordem e ir com o rabo abanando para a cozinha.
- Vovó? Promete que vai contar mais histórias? - perguntou Cecília segurando a colher.
- Prometo! Ainda tenho muita coisa para contar... - respondeu por fim Carolina sorridente.


São 8.15h da manhã de domingo.
Carolina acorda, olha para o relógio e depois para Phillip que está com o corpo virado para ela, com as mãos por debaixo do travesseiro, dormindo. Ela resolve se levantar, calçar seus chinelos, vestir seu penhoar de seda branco e beber um copo de água de sua moringa para ir de quarto em quarto saber se alguém já estava acordado.
Carolina vai primeiro no quarto onde Elena dorme e ela já está com os olhos vigilantes, mas ainda coberta com uma manta, olhando para o teto e coçando a vasta cabeleira grisalha. Carolina a cumprimenta com um bom dia, que Elena responde amavelmente. Depois entra devagar no quarto do casal Pedro e Olívia e confirma suas suspeitas; eles continuam dormindo em um sono profundo. O próximo quarto e último é onde Cecília dorme sozinha. Desde muito cedo, Carolina ensinou sua filha Olívia a acostumar Cecília a dormir sozinha e não foi tão difícil como imaginavam. Carolina entra no quarto, que está apenas iluminado por um abajur em formato de sol em cima da cômoda amarela. O quarto pequeno era de Olívia quando esta era criança, mas quando veio Cecília, o quarto foi remodelado para agradá-la. As paredes eram pintadas até a metade de branco e a outra metade de rosa bem claro; a cama era branca, com lençol e colcha em tons claros e desenhos delicados e em cima da cama, um grande quadro pintado pela bisavó Elena, com a imagem de uma mãe sentada entre almofadas, segurando um livro, enquanto a filha fica encostada no peito da mãe, atenta, olhando para a frente. Olívia e Cecília são as retratadas. Os traços não são tão firmes, mas mesmo assim, é um quadro muito bonito e acolhedor, bem colorido. Na parede onde fica uma pequena escrivaninha ficam três quadros emoldurados com os desenhos de Cecília. Os brinquedos são armazenados em gavetões de vime, organizados em uma estante, contendo outros brinquedos à mostra.
Carolina observa Cecília, que está com os braços abertos e as pernas tortas, com a metade da manta tocando o chão e uma ovelha de pelúcia jogada próxima da cama, provavelmente sido jogada durante o sono, sem querer.
Carolina se abaixa e oferece um beijo em sua testa, ajeita a manta e vai até a cozinha para preparar um café forte.
O dia anterior foi uma festa. Depois do almoço, a família se separou e foram descansar em seus quartos e à noite foram até a cidade para um passeio. Assistiram a um show para as crianças com mágicos e marionetes, o que Cecília adorou.

Nenhum comentário:

Postar um comentário